O teatro é uma arte complexa. Seu resultado final advém de uma reunião de elementos da cena que são fundamentais e equilibrados em importância. Não podemos esquecer nenhuma das etapas e nenhum de seus elementos, sob pena de ter uma criação incompleta, e, portanto, não se realizar enquanto teatro, na acepção mais sólida do termo.
Essa coisa chamada “teatro físico” veio como uma moda, assim com a técnica de clown, para Salvador. E toda moda é prejudicial, inconsistente e traz, em si, a característica do pastiche e, muitas vezes, da falta de fundamentação e solidez. O que não invalida e nem tampouco desqualifica o trabalho das pessoas sérias, que vêm construindo uma carreira que, para além dos modismos, têm nestas e noutras técnicas e estilos a essência de seu trabalho.
Fabio Vidal é um desses. O chamado teatro físico não está na obra dele por ser uma moda, por ser visceral, contemporâneo, ou – com perdão do termo – pós-dramático. Está nele porque é sua essência. Quando soube que eu estava trabalhando com Fabio Vidal, Marcelo Flores, colega dele na Escola de Teatro, me contou que ele já buscava uma linguagem pessoal até mesmo nas aulas de Harildo Déda. E o próprio Harildo tinha a grandeza de compreender o caminho pessoal de Fabinho e admitir suas limitações em ajudá-lo.
É claro que passar por Harildo Déda é um aprendizado até mesmo pra quem não sabe como absorver desse mestre os ensinamentos básicos do teatro que independem de estilo, época ou moda. E Fabio, com certeza, soube como aproveitar não só Harildo, mas o ambiente da Escola de Teatro naquela época, período prolífico da instituição, onde ele – por exemplo – seguiu caminho com Meran Vargens, mas fez uma peça, pela Companhia de Teatro da UFBA, com Ewald Hackler. O ambiente de troca, de idéias, e vontades e projetos era muito estimulante, e dentro disso tudo Fabinho soube como aproveitar o momento e se estabelecer como artista.
Um pouco mais de dez anos depois de eu ter me formado e convivido com Fabio Vidal na Escola de Teatro, e sempre convivendo com o amigo e conversando com o artista, recebo o convite de trabalhar a dramaturgia do seu trabalho novo. Em nosso processo com Sebastião, Fiquei muito satisfeito e feliz com a preocupação
que Fabio Vidal tem com todos os elementos da cena. No fundo, ele já sabia, dentro de si, talvez inconscientemente, tudo que ele queria pra peça. Mas se preocupou em me chamar para um auxílio luxuoso, mais do que um salvador da pátria.
Fabio Vidal faz teatro físico. Ele mesmo – ao ministrar oficinas – usa esta expressão. Mas eu acho que ele simplesmente faz teatro, que é isso tudo, é tudo ao mesmo tempo agora. Sua criação, através do corpo, é notória, mas os elementos todos do teatro estão ali, físicos, etéreos, metafísicos e dramáticos. A balança das modas tem sempre pendido pra um lado, e, hoje em dia, a dramaturgia é sempre o lado frágil, desequilibrado, sem peso. Criou-se uma ignorância e desleixo com o texto que é talvez explicável pelo atual nível de analfabetismo funcional que acomete nossas escolas, faculdades e instituições.
Sebastião se mostrou um processo onde o artista Fabio Vidal estava atento a todos os elementos da cena. Desde o texto até a música. Desde a criação corporal até a identidade visual do projeto. Teatro não se faz sozinho. Mas sozinho se chega longe se a honestidade com a obra artística faz com que o artista se preocupe em ter as pessoas que ele confia pra ajudarem nesse caminho da criação de um espetáculo. Fico muito feliz de ter sido uma dessas pessoas. Apesar da condução do trabalho ter levado ele a trilhar a parte final do espetáculo sozinho, apenas me pedindo um texto aqui e uma opinião acolá, pudemos dividir momentos essenciais de sua criação onde ele sabia quase tudo, já tinha tudo desenhado, mas precisava apenas de um empurrão.
Espero poder “empurrar” esse artista mais vezes. E que não seja pro lado negro (ou afro-descendente, pra ser politicamente correto?) da força. Espero ter conhecido, para além do amigo, mais um parceiro de profissão.
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